terça-feira, 3 de maio de 2011

Evocações de frei Anísio

Faltam-me informações para contar os últimos anos de frei Anísio seu necrológio. Remonto sim aos seus primeiros anos de vida franciscana vividos em Porto da Folha e em Paranatama. Mesmo essa memória anda desbotada pela falta de exercício e pelo tempo que é distante.


Vou tentar uma escavação arqueológica no tempo a ver se restauro as feições e o jeito do “Laranjo” este o carinhoso apelido que Angelino deu ao beradeiro Anísio. Poucos meses vivíamos frei Angelino e eu a aventura franciscana de inserção entre os pobres, numa casa de taipa da Rua da Baixinha (Porto da Folha) quando nos chegou o filho do pescador André. Vinha de Telha, na beira do Velho Chico para conviver conosco. A casa já tinha outros inquilinos: Sebastião (ex-aluno de Ipuarana), frei Enoque, frei Roberto Eufrásio (também ex-aluno de Ipuarana), conosco éramos cinco. A chegada de Anísio subia para seis os moradores da casinha que possuía só um quarto, uma sala, cozinha e banheiro. Como recusar mais um? E assim mais uma rede foi armada e o galego quase analfabeto juntou-se ao grupo franciscano.

Anísio chegou carregado do sonho de ser missionário e não escondia seu gosto de aprender e o entusiasmo pela vida. Matriculou-se no ginásio local e atirou-se aos livros com afinco decidido a sair do atraso. Em casa partilhava os diversos serviços com disposição e alegria. Nas orações da fraternidade, não ficava inibido com a superioridade intelectual dos companheiros, mas pontuava a reflexão com suas colocações pertinentes. No clima de irmandade criado entre nós, ninguém se julgava mais do que ninguém. Isso se mostrava, sobretudo, nas revisões do grupo, quando Anísio livremente cobrava ou questionava os companheiros mais idosos.

Anos de alto astral franciscano aqueles, um segundo noviciado (noivado) vivido entre 1970 e 1973. Esse foi o ano em que a um aceno de Mons. Marcelo Carvalheira, cotado para ser bispo de Garanhuns, demos a largada de Porto da Folha para Paranatama (PE). E o Anísio veio com Juvenal e o Angelino para o Pernambuco. Ele desenvolveu um intenso trabalho missionário na cidade e nos sítios ativando o surgimento e organização das comunidades de base. Sem veículo nosso, as distâncias eram vencidas na perna. O dia era para ajudar as pessoas nos trabalhos e a noite era para reunir os vizinhos em torno da Palavra. Os jovens receberam forte apoio de Anísio para formarem grupos fraternos. Um belo dia ele achou que estava na hora de manifestar de público seu compromisso com a causa do Reino na família franciscana. E perante uma multidão que lotava a igreja de Paranatama fez sua profissão solene segundo os três conselhos evangélicos. A essa altura o ministro provincial frei Valfrido viera até nossa casa para acolher-nos de volta ao seio da Província o que nos encheu de contentamento principalmente porque ele nos confirmava a opção de vivermos com os pobres.

Depois de cinco anos de missão em Paranatama fizemos um retiro sob tendas em lugar ermo com a participação de padres e freiras que desejavam redirecionar suas vidas. Decisão tomada, eu com Pe. Luís Weel fomos para o sítio Cruz, frei Angelino e Anísio partiram para um pequeno povoado em Alagoas. A partir desse dia, perdi o contato com o “Laranjo”. Soube que seu noviciado conosco e sua profissão não eram canonicamente válidos e ele então foi fazer o noviciado na Província.

Resgatado pela Instituição prosseguiu seus estudos até a ordenação. Estive presente nesse grande momento de sua vida. Viajei em velho fusca lotado com alguns amigos até Telha onde aconteceu o evento. O interesse de Anísio pela Bíblia despertou-lhe a vontade de estudá-la na língua original. Um dia soube que o “Laranjo” estava em Paris estudando hebraico, “quem te viu, quem te vê”. Em Porto da Folha se diz: “quem foi Naninha”. Em 1998, tendo completado quarenta anos de padre, coube-me a graça nunca sonhada de peregrinar pela Terra Santa. Pense, quem é que fui encontrar em Jerusalém? Adivinhou, o Anísio. Desembaraçado naquela cidade exótica, levou-me a conhecer o quarto que ocupava, fez compras, falando hebraico, acompanhou-me até a mesquita de Omar.

Depois desse surpreendente encontro na terra de Jesus, só nos vimos fortuitamente em Capítulos Provinciais. Ouvindo falar que ele era solicitado pra assessorar retiros e dar aulas bíblicas, no coração me ufanava de ter pescado no Rio São Francisco essa vocação para o serviço do povo de Deus.

Inesperadamente chegou a notícia: frei Anísio foi hospitalizado, foi para UTI, os médicos estão pessimistas, frei Anísio faleceu. Com apenas 59 anos, um menino, diria Angelino, se foi nosso “Laranjo” para os braços do Pai. Mas deixou entre nós seu bom perfume, haja vista os comentários ouvidos de quem o conheceu no ardor de seus jovens anos em Paranatama.

Tudo seja para a glória de Deus. Amém!

Frei Juvenal, OFM

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